Cuidado

É preciso falar sobre o suicídio

Desde 2014, o país se mobiliza na prevenção do suicídio durante todo o mês de setembro

Até o fim do dia, 32 pessoas irão tirar a própria vida no Brasil. Em Pelotas, uma tentará. Dados como estes são reflexos da falta de debate sobre o suicídio. Tratado há décadas como um assunto extremamente proibido de se falar, desde 2014 a situação vem sendo revertida, pelo menos no país. O Setembro Amarelo, instituído há três anos, atenta para este grave problema de saúde pública que poderia ser evitado em 90% dos casos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Abafar o tema não é mais uma alternativa viável, avaliam especialistas.

A ocorrência de pensamentos suicidas uma vez ou outra não é fora do normal, principalmente na transição entre infância e adolescência, afirma a OMS, em um Manual de Prevenção ao Suicídio voltado a educadores. É neste período que os jovens lidam com problemas existenciais e tentam compreender o significado da vida. De acordo com a mesma cartilha, essas ideações se tornam anormais quando sua realização parece ser a única solução dos problemas.

A tentativa de terminar com os sofrimentos é um dos principais fatores que levam alguém a se matar. A ideia de que se está sozinho para enfrentá-los, também. "As pessoas buscam soluções muito imediatas para as suas dores", avalia Gicelma Kaster, chefe do departamento de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Ela comenta que alguns sinais alertam para o risco de suicídio. Falta de vontade de viver, tristeza profunda, dificuldade em produzir e pouca relação com outras pessoas são alguns deles. A frase "eu não tenho mais vontade de viver" deve ser encarada como um sério aviso de que algo não está bem com a pessoa e ela pode acabar fazendo mal a si mesma.

Apegando-se aos dados de que nove a cada dez suicídios poderiam ser evitados, a SMS exerce um grande trabalho de prevenção, sempre buscando tratamento mais humanizado. Segundo Gicelma, assim que um caso chega aos hospitais, imediatamente a SMS é acionada e entra em contato com o Centro de Assistência Psicossocial (Caps) responsável pelo bairro do paciente. O propósito é encaminhar a pessoa para atendimento adequado o mais rápido possível.

Os Caps atendem pessoas com sofrimentos psíquicos, um dos fatores de risco para o suicídio. A ideia é prestar o suporte necessário antes de a pessoa tentar tirar a própria vida. Para isso, os centros são instituições abertas à comunidade. Neles, o paciente tem acesso a oficinas, grupos de apoio, consultas com profissionais e outros mecanismos que ajudam a resgatar a dignidade humana e ensinam uma atividade laboral. Os oito Caps da cidade atendem de 600 a 800 pessoas por mês - com exceção do Caps AD, exclusivo para tratamento de pacientes envolvidos com álcool e drogas, que recebe em torno de quatro mil pacientes ao mês.

No mês de prevenção ao suicídio, a chefe da saúde mental critica a falta de debate sobre o assunto. "Falar não é incentivar, mas esclarecer. É chamar atenção para a prevenção", pontua. Um fato que acendeu esta discussão neste ano e foi comentado por Gicelma é o jogo Baleia Azul. Composto por 50 desafios, sua intenção é incentivar o suicídio entre jovens. Na cidade, todos os casos identificados foram encaminhados para tratamento nos Caps e a situação foi revertida.

Grupos de risco
Engana-se quem pensa que pessoas de mais idade são mais propensas ao suicídio. Desde 1980 os casos de jovens que tiraram a própria vida aumentaram 26%. Apesar de os adultos ainda serem maioria nos suicídios consumados, os jovens despontam nas tentativas. Segundo pesquisa feita no município, 4% das pessoas entre 14 e 34 anos já atentaram contra sua vida. A maioria das tentativas monitoradas pela SMS também está entre essa faixa etária.

O estudo mencionado foi feito pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento, conjuntamente com o curso de Psicologia, ambos da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), e traz resultados alarmantes. Segundo ele, crianças e adolescentes de 11 a 15 anos que consomem drogas ilícitas e têm transtornos depressivos são mais propensas a tirar a própria vida. Já entre adolescentes de 15 a 18 anos, a proporção de risco de suicídio cresce entre os que consomem bebida alcoólica excessivamente, portam arma de fogo e têm baixa escolaridade. Em adultos com idade entre 18 e 24 anos, a vulnerabilidade social, falta de apoio familiar e social e condutas de risco são condições que elevam as chances de suicídio.

Outro fato observado na pesquisa e ratificado pela OMS é o de que adolescentes meninos cometem suicídio mais frequentemente do que meninas, mas a taxa de tentativas é maior entre as garotas. Isto ocorre porque elas têm mais depressão que os meninos, mas também procuram ajuda com mais facilidade. De acordo com o professor de Psicologia da UCPel, Luciano Souza, um dos responsáveis pelo estudo, os métodos buscados pelos dois sexos são diferentes e isso também influencia na possível tragédia.

Esses dados ajudam a identificar os setores da população com maiores chances de atentar contra a sua vida, mas não elimina o resto da população. Por isso, é preciso ficar atento aos sinais emitidos pelas pessoas, por mais que elas não demostrem ser um risco aparente. O professor explica que o suicídio é desencadeado por uma série de fatores associados. Geralmente, a pessoa que atenta contra a própria vida está enfrentando pelo menos uma das situações chamadas de quatro Ds: desespero, desesperança, depressão e desamparo.

Ao identificar o perigo de suicídio em alguém, Luciano orienta buscar ajuda profissional. Na rede pública, os Caps oferecem o tratamento mais adequado. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) também podem ser procuradas. Em situações emergenciais, pode-se recorrer à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou ao Pronto-Socorro. O Centro de Valorização da Vida (CVV) dispõe de uma linha gratuita para atendimento psicológico, basta ligar para o número 141. Além da ajuda médica, que é essencial, a família e os amigos também precisam se envolver no tratamento para que os pensamentos suicidas mantenham-se longe.

No Brasil e no mundo
No mundo, mais de duas mil pessoas tiram a própria vida por dia. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o suicídio é a segunda maior causa de mortes evitáveis de jovens em todo o planeta, perdendo apenas para acidentes de trânsito e superando o HIV. Já no Brasil, uma pessoa se mata a cada 45 minutos, dados que fazem do país o oitavo em número de suicídios no mundo inteiro. Segundo o Mapa da Violência, entre 2002 e 2012 o total de suicídios aumentou 33,6%, totalizando 5,3 casos para cada 100 mil brasileiros. O índice fica acima do aumento nas taxas de homicídios (2,1%) e acidentes de trânsito (24,5%). O Rio Grande do Sul é o estado com mais casos de suicídio do país. A ONU estima que para cada suicídio há outras vinte tentativas.

Programação especial
Em Pelotas, vários setores da sociedade estão se mobilizando na prevenção ao suicídio. Nesta sexta-feira (15) haverá um evento de conscientização sobre o tema organizado pela SMS. Será no largo Edmar Fetter, das 9h às 17h, e reunirá diversos profissionais da área. A ideia é promover conversas, distribuir material informativo e apresentar à população os serviços de saúde mental da cidade.

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) fará sua 1º Semana de Prevenção ao Suicídio entre os dias 25 e 28 de setembro. As atividades, voltadas à comunidade acadêmica, têm inscrições abertas até o dia 24. Mais informações no site bit.ly/prevencao.

Suicídio em Pelotas
20 pessoas tiraram a própria vida nos últimos cinco meses
Média de uma tentativa por dia
Mulheres são as que mais tentam e homens os que mais conseguem se matar
Classes D e E são as mais vulneráveis

Sinais de alerta
Falta de interesse nas atividades habituais
Consumo excessivo de bebidas alcoólicas e drogas
Isolamento social
Dificuldade em manter relações interpessoais, solidão
Tristeza profunda
Perda do interesse pela vida

Fatores de risco
Solidão
Perdas
Abuso e negligência emocional
Instabilidade emocional
Baixa escolaridade
Vulnerabilidade social
Sentimento de inferioridade
Sofrimentos psíquicos

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